Ficamos tentando interpretar o cotidiano, mas
nos frustramos, pois o cotidiano não é estático, mas dinâmico. Constrói-se e se desconstrói a cada segundo Trocamos de pele sem
perceber e não somos os mesmos de alguns dias atrás, assim como o rio que passa
em nossas cidades é outro. Trem doido. Ficamos, por exemplo, tentando entender o
que se passa na política. O problema é que não temos acesso ao “making off”
desse filme que foi pensado por alguém ( ou por vários roteiristas), foi editado, tem seus efeitos especiais, cortes e adições, é um simulacro da realidade e
não a realidade em si. Há quem diga que para uma análise racional precisamos
do distanciamento histórico. Mas acho que nem isso é suficiente. As coisas ficam
muito embaralhadas enquanto acontecem. O testemunha sensorial da
história deveria ter um conhecimento mais fidedigno. Mas cada um tem suas
convicções e interpreta a vida a partir dos próprios filtros. Além do
mais, sempre aparece alguém pra reescrever à história a partir dos interesses
dominantes. Quem leu 1984 de George Orwell deve se lembrar das passagens em
que as notícias eram modificadas a posteriori para agradar o sistema vigente e pra esculhambar os inimigos da vez, quase sempre inventados. O cinema e a história são fábricas de ilusões, mas
mesmo sabendo disso, ficamos inebriados, apaixonados pelo enredo. Nos sentimos
quase protagonistas, mesmo sendo menos que dublés coletivos. O cinema e a
literatura nos influenciam, isso é certo. As mensagens ficam
subliminarmente na mente das pessoas. Quem viu “The Wall” do Pink Floyd teve
seus impactos. Quando vemos filmes como ”A onda", temos a impressão de que o
cinema transbordou e invadiu a realidade. Quantas “ondas” e quantos surfistas?
E dá-lhe filmes que parecem ser inspirados na realidade. Quem já viu “a Teoria
da Conspiração”? Alguém viu o último do Costa Gravas, “Le Capital”? Conta a
história de investidores que manipulam as finanças mundiais, um game global,
onde crises são criadas para gerar lucros, um mundinho frio e vil muito longe
do mundo dos mortais. Aliás, os mortais são como aqueles monstros dos games que
lutam contra os heróis. O sangue que jorra, enfeita a trama. Aliás, que sede de
sangue tem a humanidade desde tempos imemoriais. O sangue dos games não suja a
sala, não dói fisicamente. Mas que há uma perversidade esquizofrênica, isso há.
E esse facebook? Esse negócio é a droga mais viciante jamais inventada e
totalmente liberada, sem contra-indicações. Uma espécie de psicanálise
compartilhada. As pessoas andam ávidas por audiências, querendo encontrar quem
se sensibilize com seus dramas pessoas, suas lutas, seus lutos. Terapia ou
Terabits? Eis a questão! Um ex-amigo passou por mim na rua, me olhou no fundo
dos olhos e não me cumprimentou. Ficou meu inimigo por causa das minhas opiniões
na net. Não admite pensamentos divergentes. Seu partido político é um espécie
de Deus inquestionável. Qualquer crítica é encarada como profanação, blasfêmia
passível de demonização. Eu hein? Mas esse facebook tem isso. Antes, os grupos
de afinidade se reuniam e conspiravam. Hoje expõem na net o seu ponto de vista
e fomentam algumas inimizades desnecessárias. As pessoas se encontram e se
desencontram por afinidades. Esse face é uma praga. Depois da Bomba H, talvez
seja a arma mais poderosa jamais inventada. Ironia que essas invenções da
pátria do capitalismo tenham essa denominação de mídias sociais. A esquerda
havia se apropriado desse termo "sociais". Mas os americanos vão
inventando as modinhas virtuais e disseminando pelo mundo. Hoje tem o whatsapp
por exemplo que realmente conecta as pessoas e os mais pessimistas preveem uma
geração idiotizada. Será? Hoje em dia, um adolescente pode ir ao polo norte,
mas ainda assim estará conectado com sua turma. E da-lhe selfies com esquimós.
Se isso é bom ou mal, só o tempo...
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