Eu pelo menos estou
procurando um jeito de desapaixonar.
Crescemos com a
ideia de que a paixão é uma coisa boa, carregada de romantismo adolescente ou
tardio.
As pessoas utilizam
a palavra paixão pra tudo.
A menina diz que
ama de paixão, o sujeito diz que tem paixão pelo seu clube, o militante é
apaixonado pelo seu partido e é capaz de qualquer coisa por ele.
A paixão é cega,
surda e muda. Veja o caso dos apaixonados (românticos). Não conseguem
enxergar o mínimo defeito nas pessoas amadas. Até o peido da pessoa amada é
cheiroso.
E o apaixonado
político? Ah, os companheiros não são ladrões. Ladrões são os outros.
E os torcedores
apaixonados? Não conseguem apreciar um bom futebol jogado pelo adversário. Não
podem admitir que o outro time jogou bem, que foi superior. Sou torcedor do
Cruzeiro, mas estou procurando me desapaixonar pra ver as coisas como elas são. Toda vez que o time perde a gente tende a dizer que nosso time perdeu por que jogou mal, por que o treinador não tá com nada, por que o juiz roubou. Não conseguimos admitir que o outro time também é bom e jogou
melhor. Tremenda lente estragada.
Esse negócio de
paixão não está com nada.
A paixão é uma
espécie de caverna de Platão. O grande filósofo criou a metáfora da caverna,
onde algumas pessoas ficavam confinadas numa profunda escuridão. A pequena luz
que penetrava no recinto projetava sombras fantasmagóricas nas paredes e as
pessoas ali confinadas imaginavam que no mundo exterior só havia monstros e
seres assustadores. Por isso, ninguém tinha coragem de sair e viviam na
ignorância. A paixão faz isso com as pessoas. Só que de um jeito diferente. As
pessoas veem projetadas nas paredes da caverna escura as imagens perfeitas das
suas paixões e tudo o mais representa perigo, tudo é ameaça, todos são
inimigos, adversários, alvos para o ódio.
Aí é que está o
ponto mais perverso das paixões. Elas não pressupõem apenas amor, como é
romantizado e explorado na literatura ou na música.
Os sertanejos
gostam de usar o termo “xonado”, entortam a cara na cachaça e acabam sendo
passados pra trás, isso por que os apaixonados ficam bobos, não enxergam
malícia nas pessoas em que projetam suas paixões travestidas de amor. E o pior.
O apaixonado, ao mesmo tempo em que “ama”, odeia com a mesma intensidade. E é
um ódio selvagem, completamente irracional. O sujeito apaixonado é capaz
de matar ao sentir-se ameaçado. Se a pessoa amada resolve terminar o namoro,
mergulha no inferno na terra e sofre uma dor insuportável, muitas vezes
chegando ao suicídio.
Os torcedores
apaixonados também não ficam pra trás. Tem torcedor que deixa de comer, de
colocar dinheiro em casa para pagar caríssimos ingressos e ver seus times nos
estádios. Chegam até a viajar para o exterior para acompanhar seu time, se
endividando e prejudicando suas famílias. Partem para a violência, agridem os
amigos e perdem a compostura. Os torcedores do time adversário tornam-se
inimigos e no fundo há um sádico prazer no exercício do ódio.
Os apaixonados
políticos também odeiam com força. Os adversários representam o que de pior
existe na face da terra. Para desmoralizar os inimigos, os apaixonados são
capazes das maiores atrocidades. Caluniam, sabotam, agridem, vaiam, fazem
tudo em nome de suas paixões.e do ódio decorrente.
E o mais grave de tudo: todas as guerras foram motivadas
pelas paixões. Nas trincheiras estão os apaixonados, motivados na maioria das
vezes por razões artificiais, criadas pelos que detém o poder, que ensinam as
pessoas a se apaixonar pela sua bandeira e odiar os adversários.
Alguém vai dizer:-
Ah, Martino. Vai me desculpar, mas são sintomas da velhice chegando e do tesão
em declínio. É! Pode ser a maturidade chegando, as ilusões moribundas, a
temperança de quem já se apaixonou demais e começa vislumbrar o fim do túnel, a
tal idade da razão que verga as vontades. Aff! Antes tarde do que nunca. A cada
dia me sinto mais leve, deixando para trás fardos tão pesados. Prefiro o amor,
um sentimento menos raivoso, mais compassivo e duradouro. Costuma transcender
até a morte.Como dizia Renato Russo, "é preciso amar as
pessoas como se não houvesse amanhã". Desapegar-se dos sentimentos destrutivos,
negativos.
Paixão? Prefiro o
pai chão. Este sim solo fértil onde a vida viceja. O resto é sombra na
caverna.
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