quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ENTREVISTA COM NADJA LÍRIO - DO SAMBA NA SOLA

Vale à pena ler a entrevista que fiz com a cantora Nadja Lírio do grupo  Samba na Sola. A menina tem conteúdo. Continuo chamando-a de Nadja, mas parece que no Rio ela é conhecida como Duca Furtado. Preciso até saber como ela gosta de ser chamada(rs) Ela e o grupo Samba na Sola dividirão o palco com Rômulo Rás, no projeto 5ª Cult da próxima quinta-feira, oportunidade de assistir um show de samba como há muito não acontece na cidade.

Mas vamos à entrevista:

MM -Porque do nome SAMBA NA SOLA?

Nadja- Samba na Sola traduz a brasilidade. É o samba no pé, a malícia e a cadência, é o chegar de mansinho. Quando ouvimos a música homônima de Alec Haiat interpretada pela cantora Céu dizendo “Brasileiro sou, do banjo e do pandeiro, calço qualquer calo mesmo como bom guerreiro e lutador (...)e com sua permissão " seu internacional " 
longe de mim qualquer desfeita, pega mal! Mas esse dom é exclusividade! Samba na sola tem nacionalidade ” nos apaixonamos. Daí em diante, passamos a chamar Samba na Sola.


MM - Como você definiria o trabalho de vcs?

Nadja - O samba hoje é um produto global. É vendido como especiaria brasileira, poucas  vezes de formas dignas da sua história. O rótulo samba é tão estimado no mundo que é usado pra qualificar ritmos que se afastam completamente do original. Mas nem sempre foi assim. O samba já foi perseguido e seus artistas marginalizados. Muitos sambistas correram da polícia e apanharam muito. O samba já chegou ao auge e foi esquecido inúmeras vezes, como nas décadas 50 e 60, durante o frenesi da bossa nova e da jovem guarda. O nosso trabalho começa na pesquisa dessa história fantástica que traz consigo centenas de compositores anônimos e populares, vertentes riquíssimas e casos memoráveis. O intuito do Samba na Sola é resgatar esse complexo cultural incrível, recordando com as gerações que viveram e expondo as novas gerações a esse mundo escondido por trás da palavra “samba”.

MM- Quais as principais influências?

Nadja- Pra economizar tempo e papel, citando os mais conhecidos : Noel , Cartola, Ismael Silva, das primeiras gerações; do partido-alto o pioneiro Candeia, a dama Ivone Lara e  o grupo Fundo de Quintal com os inúmeros compositores das várias gerações; do samba cadenciado o mestre Paulinho da Viola, João Nogueira e o parceiro Paulo Cezar Pinheiro, Dorival Caymmi e Ney Lopes. Do afro-samba a saudosa Clara Nunes e o ilustre Baden Powel. E nessa nova geração, somos fãs de Teresa Cristina e o grupo Semente,  Nilze de Carvalho,o grupo Casuarina e Fabiana Cozza.

MM - O que vocês tocam nos repertórios de vocês?

Nadja-Tudo isso que falamos antes e muito mais. Realizamos um projeto de tributos que nos levou a explorar mais a música dos artistas que homenageamos e nesses shows o repertório se limita à produção daquele artista em particular, mas fora do projeto o show é um misto de todas as vertentes do samba: samba de roda, samba cadenciado, samba chôro , samba de breque, partido-alto, afro-samba, um pouquinho de samba enredo e até marchinhas.

MM- Como vocês acham que está a produção de samba hoje no Brasil?

Nadja-Na verdade a produção informal é enorme. O samba continua nas veias dos artistas brasileiros. Hoje você encontra casas de samba em todas as capitais brasileiras. Mas acho mesmo é que o consumo é pobre demais. Falando de Brasil como um todo o samba ainda é um artigo especial, vendido a consumidores especiais. A massa mesmo, compra a idéia do pop. A música global é americana e todos os ritmos tradicionais foram distorcidos pra caber nesse molde. A música caipira foi distorcida no sertanejo moderno, por exemplo, que hoje é “universitário”. O forró ganhou a sonoridade eletrônica do teclado com remix e tudo.  não só aqui, mas no mundo. Será que o tango é ouvido pela massa de jovens Argentinos? Só se for com guitarra,bateria e beat eletrônico. Acho que o samba hoje é a raiz pra quem convive com ele, entretenimento Cult pra elite, artigo exótico pra turista e música ultrapassada pra massa. Qual a saída dessa? Fazer muito samba. Na praça, na escola e em todos os espaços públicos. Mas ainda temos sambistas populares como Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e as novas divas Roberta Sá e Maria Rita. São trabalhos bonitos, que tem enorme valor pro samba.

MM - Vocês são sediados em Saquarema-RJ. Como tem sido os shows em solos cariocas?

Nadja- Maravilhosos. Cavamos muito, mas encontramos o nosso público. Na verdade tocamos em Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo, São Pedro, Araruama, entre outras cidades, mas Saquarema é especial pelo projeto de tributos. As pessoas reservam lugar pra ouvir as histórias e cantar conosco. Na verdade inúmeras vezes elas participam endossando os casos que contamos e somando episódios vividos por eles, coisas que eles presenciaram, confirmando e enriquecendo a nossa narrativa. Tocar por tocar tira o fascínio do ofício, vira bater cartão, mas compartilhar a emoção da música com o público, é a razão pra continuar na luta.

MM Vocês são mais influenciados pelo samba de qual região do país? Mais influências de São Salvador ou de São Sebastião?

Nadja -Na verdade o samba pra nós é cada um e um só. O samba de São Salvador está no samba de São Sebastião e vice-versa. A semente do samba  veio pra cá de navio e esteve espalhada nas senzalas do Brasil desde então. Em cada solo ela germinou de uma forma de acordo com os instrumentos e cultura locais, mas ela é a mesma.  A soma dessas mudas,  o cruzamento delas, gerou o panorama do samba que conhecemos hoje. Mas é inegável que a massa da produção do samba é carioca. O que não significa que o samba feito em outros estados é menos samba ou tem menos qualidade. Basta pensar em Dorival, Jackson Pandeiro, Adoniram Barbosa, Clara Nunes, João Bosco,Geraldo Pereira e tantos outros.

MM - Por falar na música da Nadja que entrou no festiaço, de São Salvador a São Sebastião, considerei uma letra síntese, que conta num título a história da chegada do samba e sua difusão pelo país a partir dos dois pontos primordiais. O grupo tem outras músicas próprias? Planos para CD, DVD?
Tem sim. Várias. Uma inclusive que tocamos no nosso show no Cassino, alguns anos atrás, através do Projeto Pratas da Casa. Estamos gravando um CD demo em casa, e o material vai ficar super interessante, mas  quanto ao CD e DVD produzidos para venda, nós dependemos de patrocínio e por isso o grupo está em busca de um(a) produtor(a).

MM- O que os monlevadenses podem esperar do show no 5ª Cult? Algo especial?

Nadja- Uma noite de muita história, muita saudade (matéria prima do samba) , muita dança(pra quem tem samba na sola) e pra todos nós, muito SAMBA!

MM- Agora uma pergunta provocativa: pra onde vai o samba? Dá pra projetar alguma coisa?

Nadja -O samba vai pra onde agente levar, ele é o nosso legado, a nossa herança. Eu levo o samba pra casa(nosso filho de 4 anos adora), nós levamos o samba pra rua( todos os fins de semana), e quem vai ao nosso show tem a oportunidade de carregá-lo também. O professor pode levar o samba pra escola, o psicólogo pode levar um sambinha macio pro consultório(risos). Eu só sei que o legado é nosso e quem dele cuida, tem o benefício eterno da sua alegria. Sei que como já dizia Billy Blanco, pra nós “Toda riqueza do mundo não vale um terreiro, onde eu cante o meu samba com simplicidade... com as pastoras nas ruas, com um pedaço de lua e a palavra saudade!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário