MAIS UM BELÍSSIMO TEXTO DO MEU AMIGO MAGNO MELLO
Com esse meu coraçãozinho, ora desocupado, fico tentando imaginar como será meu próximo amor.
Em minhas fantasias, no entanto, a imagem mais recorrente que me aparece é a do Tião Macalé. E nem sou gay, nem perto disso. Mas nada contra, viu? E me remoem as tripas ao ver aquele sorriso vidrado e sem dentes, vindo para cima de mim.
A segunda aparição mais recorrente é de uma loira gostosérrima, dessas de cinema, bem inteligente, culta, independente, cabelos longos, bunda perfeita, seios apontados para a lua, que sabe Ilíada de cor, ama os Beatles, sexo anal, discute Deleuze e é totalmente apaixonada por mim. Mais que isso: lambe meus pés, literalmente, entre os dedos. Tremo diante dessa visão. Quero, mas rechaço. E de repente começa a sair pus de seus ouvidos e infinita quantidade de bosta pelo...bem, por onde tem que sair.
A terceira imagem, lembrando que estamos falando de fantasia, é de uma cabritinha, bem meiga. Esse pensamento, o inibo logo de cara, travo, acho repugnante, sinto-me culpado e sujo; mas não consigo deixar de achar graça. Percebo, pelo conjunto da obra, que meu coração anda meio fechado, embora não tenha havido nenhum episódio traumático recente. Mas podem ser traumas antigos, vai saber, esses fenômenos tão bem escondidos.
E a partir daí as visões se aceleram e tornam-se flashs, cada vez mais rápidos, num vórtice de imundícies e outras asquerosidades. Passa um negão me comendo, eu comendo uma freira, depois uma galinha bicando meu pinto, eu socando um católico dos tempos de Alexandria, depois matando meu pai, então cago, cago, cago, um andróide arranca meu braço, enfio o dedo no nariz do papa, e a culpa aumentando, a vertigem também, mas dali não arredo, quero ver até onde vai meu monstrão interior, e meto a porrada num crente, atropelo uma velhinha, a culpa, a culpa, a culpa, finalmente, ajudo um cego a atravessar a rua, mas logo depois estou numa sessão sado-masoquista, e dá-lhe sexo, escatologia, violência, culpa e religião, até que desmaio.
Jung fazia esse tipo de exercício, que chamava de devaneio, se bem me lembro. Sentava-se em sua poltrona e se deixava levar livremente pelos acontecimentos internos. Depois de cada sessão, fazia suas anotações. Haja estômago.
Mas vamos colocar dessa forma: fantasia não tem nada a ver com a vontade, não quer tornar-se real. Uma mulher que tem fantasias em que é prostituta, não quer ser prostituta. Um cara que tem fantasia homossexual não quer necessariamente ser gay, nem o é - necessariamente. Não é porque alguém sonha que está matando o pai, que quer fazê-lo.
Fantasias são símbolos abstratos, projeções, válvulas de escape, que muitas vezes clamam por uma única coisa: libertação.
E por que temos tanta vergonha de nossas fantasias? Sabemos que todo mundo as tem. Sabemos o que são. E ainda assim, é um dos principais tabus de nossa sociedade e talvez o maior tabu de nossas mentes - não é que não quero me mostrar para o outro, eu mesmo não quero ver.
Mas, afinal, do que temos medo? De enlouquecer? Ou de nos tornarmos quem somos? Ou de perder o que conquistamos? Ou ver que o que conquistamos pode ser mais frágil do que pensamos? Ou, ou, ou?
Olha que curioso: moro com mais dois amigos, numa casa grande e bonita, com três mil metros quadrados de terreno, que tem até mata nativa. Outros amigos estão sempre por lá, nossas namoradas, e temos cachorros e até uma piscininha dessas montáveis, para o verão. Foi uma opção de vida para não nos isolarmos e não endurecermos tanto o coração na dura São Paulo. Dura, mas de muitas belezas também.
Certa vez, estava sozinho em casa, de tarde e, quando percebi, um de nossos cachorros, rottweiler pesadão, bem velho - que agora já morreu – estava entre a vida e a morte. Fiquei agitadíssimo, tentando levantá-lo, reanimá-lo, até que, com a ajuda da faxineira, arrastei-o sobre um cobertor e consegui colocá-lo no carro.
Toquei às pressas para nossa veterinária e no caminho ia conversando com ele, para que permanecesse desperto.
Agora, veja. Durante o trajeto iam se passando três coisas pela minha cabeça. A primeira é que queria muito salvá-lo; amava-o e estava bastante preocupado. A segunda eram imagens de morte, pensamentos de morte, significações e ressignificações sobre a morte, e até que sua morte poderia ser melhor para todos, tudo de forma muito acelerada e vertiginosa. E a terceira...ai ai, a terceira, passavam-se imagens que eu o tinha salvado e ao chegar em casa, com ele de volta, já de noite, meus amigos me davam tapinhas nas costas, me cumprimentavam pela atitude, pela presteza, pela agilidade de minha reação etc, e eu ficava todo orgulhoso ao receber aqueles elogios. Isso no trajeto para a clínica, enquanto meu cachorro estava morrendo - pelo menos não morreu daquela vez.
Não sei o que você pode pensar disso, mas, a meu ver, isso é ser gente. Somos tudo ao mesmo tempo: qualidades, defeitos... e fantasias. Alguém há de negar? No máximo acrescentar. E já vejo você aí acrescentando...
Mas e daí? Quem pode julgar quem? E ainda: sabemos que quem julga está julgando a si mesmo. E mesmo assim temos vergonha desse ser quem somos integralmente. Olhamos para o outro, sabemos que é igual a nós, que carrega os mesmos tipos de sentimentos, fantasias sórdidas, sabemos até que é uma parte ou continuação de nós mesmos, apenas separados pelos corpos, mas racionalmente não conseguimos admitir.
Será que um dia poderemos dizer e ser realmente quem somos? E mais do que isso, dizer: “ei, não é que você sou eu! Agora vejo.”
E aqui estou eu de volta, pensando em como será meu próximo amor. Pois não desisto de amar. Jamais.
Mas sei que só vai aparecer quando eu estiver bem distraído.
Ah! Para fechar: amor de verdade não é fantasia; talvez a única coisa no mundo que não seja.
Bom começo de semana! E não fiquem melindradinhos com o texto, vamos todos morrer um dia.
Por Magno Mello
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