terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Barbarismo Racional


MAIS UM TEXTO FANTÁSTICO DO MEU AMIGO MAGNO MELLO

Vejo a Europa se debatendo em crises e trapalhadas políticas e me vem à cabeça um discurso controverso do existencialista espanhol Miguel de Unamuno que sustentava, lá pela década de 30, que os europeus eram oprimidos por sua própria história. Que carregavam um fardo gigantesco de passado e por isso tinham dificuldade em fazer qualquer coisa antes de hesitar. E que talvez Rousseau pudesse ter alguma razão, já no século XVIII, ao refletir sobre a necessidade de voltas sazonais ao barbarismo, para a libertação desses fardos.
Mudando da água para o vinho, que em nossa cultura ocidental cristã não é algo tão radical, na meditação dinâmica proposta por Osho - o guru indiano – há quatro fases distintas, geralmente com duração de dez minutos cada. 
A primeira é de hiperventilação, na qual se inspira e expira o mais rápido possível, sem parar; pelo nariz e pela boca. O objetivo é gerar um excedente de energia. 
A segunda é de movimentos corporais quaisquer, deixar o corpo levar, como der na telha, e quanto mais desvairado, melhor; pode pular, dançar, rebolar, grunhir, se atirar no chão, rolar, qualquer coisa. O objetivo é bagunçar essa energia ao máximo. E também não se pode parar.
A terceira parte é de pulos ritmados, no mesmo lugar, sob os calcanhares, e emitindo, o mais a partir da pélvis possível, um Uh! gutural, a cada pulo, sempre com os dois pés juntos. Dez minutos sem interrupção. Tem-se por objetivo reorganizar essa energia, agora renovada.
E, na última fase, fica-se imobilizado – alguns praticantes propõem ficar de pé, com os braços para o alto, mas pode-se ficar até sentado, sentindo o contato das costas com o encosto da cadeira, contanto que se mantenha totalmente parado. Nesse momento, você está meditando, a cabeça pára. É uma meditação feita sob medida para o mundo ocidental, segundo o próprio Osho, que a trouxe para o ocidente.
O que isso tem a ver com a reflexão de Rousseau é que nos dois casos a proposição é caotizar, abalar as estruturas, ou seja, barbarizar, a fim de se livrar de energias e procedimentos represados. A diferença é que uma tende a ser coletiva e a outra individual.
O barbarismo pode se dar também por meio de uma noite de dança desenfreada, pelo uso excessivo de álcool ou outras drogas, por agressões físicas ou mesmo verbais, dirigir em alta velocidade, fazer sexo grupal – em alguns casos até mesmo a dois – praticar esportes radicais etc. Mas pode-se dizer que todos esses são barbarismos de curto alcance, ou seja, extravasam, mas não transformam.
Voltando, então, aos que são transformadores, a meditação dinâmica parece ser o que há de mais saudável. Mas, por ser procedimento individual, dificilmente gera qualquer transformação social; a não ser que a maioria dos cidadãos meditasse.
E quanto ao barbarismo social, revoluções, guerras, ou mesmo movimentos radicais, já se mostraram ineficazes para gerar mudanças positivas, a não ser para alguns déspotas, canalhas e outros sanguessugas da sociedade.
Mas há um barbarismo, do qual até agora não falamos, que pode ter significativo poder de revolução – e como a história do mundo e das pessoas parece indicar, alguma revolução de vez em quando se faz necessária, seja do jeito que for; é o tal do sacudir a poeira para dar a volta por cima.
E a Europa deixa claro de que é disso que precisa urgentemente neste momento. Pois, como pontuaram em épocas distintas Rousseau e Unamuno, o negócio, pelo que se vê, já vem meio engessado não é de hoje.
Mas, pelo menos até agora, parece não haver qualquer coisa nos europeus que os façam parar de titubear. Não têm mais o poder de um mergulho de águia, de um bote de cobra, de uma emboscada de leoas? Não foi com essa temeridade que mataram milhões de nativos, saquearam e inauguraram oficialmente as Américas e outras partes do mundo? Não conquistaram o mundo dessa forma? Só que, a essa altura, ainda é possível esse tipo de barbárie? Não. E teriam poder para fazer isso novamente, caso quisessem? Não.
Então, é justamente desse barbarismo, ainda não citado, que quero falar, desde o começo do texto - mas precisava criar alguma base para meu argumento.
Vou chamá-lo de barbarismo racional, que pode servir tanto para o coletivo quanto para o individual. 
O objetivo, como o termo sugere, é esse mesmo: barbarizar a razão. Jogar tudo para o alto, sacudir a moral, os procedimentos, costumes, conhecimentos, regras, leis, diretrizes, tudo. Revirar sem dó toda a cultura absorvida até então – e quase tudo é cultura – e ver o que ainda pode ser realmente válido.
Não é questão de abandonar tudo que se aprendeu, longe disso. A idéia é apenas colocar as coisas à prova. Tentar enxergar mais profundamente o que está emperrado. É o que devíamos fazer dia após dia, assim como varremos nossa casa. Mas estamos sempre negligenciando a tarefa – e foi o que se fez no Velho Mundo; não que o resto do mundo também não o faça permanentemente - países e pessoas - pois são muitas as coisas incômodas que não queremos ver e que vamos empurrando para debaixo do tapete. No fim, vão se tornando um emaranhado viciado, do qual não conseguimos dar conta. Assim é nossa moral, assim são nossos procedimentos e códigos gerais, o que só faz atrasar nossa evolução social e humana.
Por isso tudo, qual o problema de barbarizar a razão de vez em quando? O que se perde, a não ser vícios?
Em uma analogia não tão distante, já que estamos tratando de atitudes humanas, percebo muitos desses comportamentos como tipicamente masculinos. Temos medo de sofrer gravemente e por isso vamos sofrendo a conta gotas; o que é mais próprio do homem.
Já a mulher, quando tem que sofrer, se espalha. Numa separação de casal, muitas vezes o homem se aliena em noitadas, bebedeiras e sexo fortuito. Enquanto isso, a mulher está lá malhando e chorando, saindo e chorando, trabalhando e chorando, comendo e chorando, falando sem parar e chorando. E no final, quem se cura mais rápido? E quando a mulher se cura, não volta nunca mais àquela relação; o homem, às vezes, pode querer voltar – claro que é apenas uma tendência.
Vivemos ainda, portanto, pelo menos em nosso comportamento político cotidiano, externo e interno, sob uma égide masculina. E vivemos ainda, freudianamente falando, a cultura da obsessão; ficamos ali obsecados, interminavelmente rodeando o objeto, num eterno pequeno gozo de dor, sofrendo por problemas milenares, e não conseguimos imprimir mudanças mais profundas, que poderiam nos fazer mais íntegros e felizes.
Daí, pergunto: será que não está na hora de inaugurarmos – ainda freudianamente falando – a cultura feminina da histeria? Algo do tipo: não está bom, não obseque, histerize! Faça o que está ruim mudar sem demora, dê chilique, faça mudar e mude. Questione a relação, as atitudes, os engessamentos, assim como fazem tão bem as mulheres, enquanto os homens ligam a tv para assistir ao futebol, ou vão tomar umas cervejas para espairecer.
Veja, por exemplo – embora não queira me demorar nisso - o caso da situação política no Brasil. Ninguém roda a baiana. Os bandidos fazem o que querem e ninguém dá chilique. Ficamos sempre problematizando as questões e não temos nenhum ataque histérico. Isso não é questionar de fato. Questionar, muitas vezes é sacudir tudo, abalar os alicerces, não deixar pedra sobre pedra, quebrar vasos, rasgar livros, até que algo mude de fato.
As mulheres só tinham medo de certas mudanças – embora conservem alguns medos de outras - quando ainda não eram independentes. Agora a conversa é diferente. E, com relação aos homens, demorou muito, um abraço – tirando as milhões de carentes incuráveis. 
E isso talvez porque elas ainda guardem algo de selvagem, que nós homens deixamos para trás lá pelo século XVII, no máximo, e atualmente só conseguimos colocá-lo para fora em guerras, arquibancadas de estádios – ou mesmo em poltronas – sob efeito de álcool, ou contra seres fisicamente mais fracos. 
Mas quando o assunto é declarar guerra contra o que realmente nos faz mal, somos tão civilizados, indecisos, inseguros e também alheios.
Claro, não podemos deixar de dizer que boa parte das mulheres se encontram viciadas em muitos desses procedimentos masculinos e, nessa direção, também contribuem em larga escala para o mundo ser o que é. Mas, se há alguma chance de avanço mais aprofundado na condição humana, pode estar mesmo nas mãos dessas adoráveis histéricas, pentelhas e maravilhosas.
Quanto aos europeus? Sei lá! Voltem um pouco de onde vieram. Tentem encontrar o que perderam de atitude pelo caminho. E em alguns bons sentidos, barbarizem! Ou, mulherizem-se!
E que isso sirva de farol também para nós indivíduos, a cada vez que começarmos a nos acovardar, a amolecer o espírito, adquirir preconceitos, caretices, emburrecimentos, acomodamentos e, o principal, deixarmos de ver a vida como algo mágico. Nesses momentos, pode ser a hora certa de se chutar o pau da barraca da própria moral, para ver se ela ainda se sustenta.

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