
Nos primórdios dos anos 70/80 ( primórdios tão próximos) ainda morava em Alvinópolis, uma cidade que tem enorme influência da igreja católica, naqueles tempos muito mais rigorosa. O curioso é que havia um paradoxo, pois ao mesmo tempo que imensamente religiosa, a cidade já fazia um carnaval muito interessante. A igreja tinha uma certa complacência com o carnaval, considerada a festa da carne, do pecado. Talvez para que as pessoas se arrependessem de todos os excessos cometidos e para desembocar no que viria a seguir. Nos carnavais daqueles tempos havia mais inocência. Com todo espírito folião reinante, mesmo com tanta gente fantasiada, com tanta licença para soltar a franga, havia uma loucura sadia que perdura até hoje. Os novos tempos trouxeram adaptações em razão do marketing e das invasões culturais, porém, ainda hoje o carnaval é esperado e amado pela população . Só que na Alvinópolis da minha juventude, logo depois do carnaval havia a aterrorizante quaresma. Era um tempo difícil . As pessoas se penitenciavam, deixavam de comer carne e de consumir bebidas alcóolicas. Poucas festas aconteciam e as pessoas se recolhiam em respeitoso silêncio.Todos os monstros que habitavam os nossos pesadelos andavam soltos pela noite escura. Eu morria de medo do lobisomem, da mula sem cabeça, da procissão dos mortos e do fantasma de Paulo Moreira que circulava pela cidade em seu cavalo de fogo. A quaresma era o purgatório que precedia o céu ( ou inferno) do carnaval. Hoje em dia quaresma é sobrenome apenas. Os lobisomens viraram atores de hollywood, as mulas sem cabeça desfilam pela Marquês de Sapucaí com cabeças de silicone, a procissão dos mortos virou clip do Michael Jackson e a igreja católica não se interessa em amedrontar mais ninguém. Mas vamos e venhamos: se a igreja se renovou e eliminou o estigma do terror, antes melhor. Tudo bem que a quaresma seja um tempo de reflexão, de desintoxação, de renovação da fé, mas não precisa ser na base da imposição pelo medo. Não vou dizer que tenho saudades do medo que sentia porque não é verdade. Penso até que os tempos atuais tem muita libertinagem e não sei mesmo até que ponto isso é bom. A confusão entre liberdade e libertinagem é um perigo. Mas o terror como chantagem para moralizar os jovens me parece próximo aos métodos dos tuaregs do deserto, dos sacerdotes radicais do Islã. Igreja não foi feita pra gente temer e sim pra nos conectar com o divino. Eu pelo menos, acredito é nAquele que abriu os braços para abarcar toda a humanidade. E viva a nova quaresma!
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