Já que estamos filosofando tanto sobre cultura,
o texto do meu amigo compositor, poeta e filósofo Magno Mello é bem pertinente
A cultura no Brasil, especialmente a artístico/literária, é considerada tão pouco importante que ainda hoje mal conseguimos associá-la ou analisá-la como ferramenta de educação. Nesses tempos em que o tema “educação” ocupa lugar de destaque nos discursos de correntes sociais e políticas, não consigo me lembrar de ter ouvido uma única vez a palavra “cultura” associada a esses discursos. Mas porque a cultura seria tão importante? Somos um país que mal chegou à educação! Não deveríamos primeiro cuidar do mais básico para, aí sim, buscar outros graus de refinamento? Definitivamente, não! Pelo simples fato de que só a educação, por si, não ensina a pensar. Quando digo pensar, falo sobre o pensamento independente e individual, a sabedoria e, possivelmente, até mesmo sobre o conhecimento e não apenas a informação. Conhecer algo é tornar-se capaz de transformar, o que quer que seja, a partir desse conhecimento. E a educação, pelo menos a tradicional, não tem essa qualidade de ensinar a transformar, apenas a proceder. A cultura, no entanto, carrega esse poder transformador, pois não é somente construção, é também desconstrução. E é transformação permanente, o que não acontece com a educação, que tende a ser mais estática e pré-estabelecida – como disse Hannah Arendt “a educação é conservadora”, porque sua transmissão é que faz permanecer vivo nosso legado cultural. Então, é claro que não sobrevivemos sem educação, é base de tudo, assim como não podemos prescindir da proteína e do amido. Mas sem vitaminas e sais minerais não há corpo que se sustente. E aí entra o papel processador que a cultura tem em relação à educação. A cultura, e incluímos também a arte, nos instrumenta de conhecimentos múltiplos, de áreas diversas - não apenas intelectuais - e isso nos ajuda a cruzar informações, racionais, emocionais e sensoriais, a fim de obter o que existe de mais caro no mundo de hoje: idéias; e, especialmente, idéias originais. Num mundo em acelerada e irreversível transformação nada será mais importante que o pensamento original. Esse cruzamento de informações, por exemplo, nos traz a capacidade de antever; que ao pé da letra quer dizer “ver antes”. E enxergar mais rápido, claro, torna-nos mais competitivos. Um dos maiores problemas do conhecimento atualmente é o que Toffler chama de “obsolecimento”, ou seja, o conhecimento obsoleto, que é um grande depósito de lixo dentro de nossas cabeças e do megacérebro global , de informações ultrapassadas. Nunca, em nenhum momento da história, o volume de obsolecimento foi tão grande. E continua aumentando em proporções avassaladoras a cada dia. Chegará o momento – se é que já não chegou – que o volume de conhecimento obsoleto será muito maior que o de conhecimento válido. E o que fazer com tanta informação perdida? Acontece que são informações perdidas apenas no pensamento linear ou sequencial, que é pelo qual fomos e, na maioria dos casos, somos educados. No pensamento não-linear ou cultural, digamos assim – e até mesmo simultâneo - essas informações podem ser ressignificadas, reorganizadas, reestruturadas e recicladas a cada momento, tornando-se novamente idéias não apenas válidas no presente, mas com relação ao que está por vir, ao que ainda não foi pensado. E não podemos deixar de nos perguntar neste momento: por que Steve Jobs conseguiu mudar o mundo com suas idéias? Certamente não foi por meio do pensamento linear. O pensamento linear é limitado, assim como a educação sem cultura. O pensamento atual, portanto, não pode prescindir da simultaneidade da razão aliada ao sentimento, à intuição e às múltiplas informações e sensações. Uma última pergunta: o que faltou ao genial François Quesnay, que estendendo seus conhecimentos para áreas tão variadas quanto medicina, economia, línguas, agronomia e política, entre outras, não conseguiu – nada próximo, muito pelo contrário, apostou todas suas fichas num perpétuo modelo agrícola – prever a revolução industrial, apenas alguns anos antes dela eclodir? E a última resposta: faltou-lhe arte! E ainda tem gente que acha que matérias como música e filosofia jamais deveriam ter retornado ao currículo escolar, pois mal conseguimos ensinar a matemática.
Os tão bem adestrados economistas americanos e europeus que o digam. Por Magno Mello
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